Para além do Oscar, o que podemos esperar do filme ‘Ainda Estou Aqui’?

 

“Conta o passado e ilumina o presente...” assim resumiu a importância do filme ‘Ainda Estou Aqui’ o ator Selton Mello, que viveu o personagem Rubens Paiva. O Deputado Federal foi cassado logo após o golpe militar. Em janeiro de 1971 foi tirado de casa e, pouco depois, assassinado pela ditadura militar. O exército nunca esclareceu a sua morte. Seu corpo jamais foi entregue à família.

O prêmio de melhor filme internacional no Oscar de 2025 lavou a alma do cinema nacional e de milhões que torceram em clima de antigas copas do mundo. Exagero do nosso jeito expansivo? Talvez, mas convém refletirmos sobre os significados do filme, em emoção, historicidade e consciência.

A obra decorre do encontro de gigantes: Marcelo Paiva escreve sobre o desaparecimento do pai, com sentidos que somente a vida vivida permitiria; Walter Salles, amigo de infância de Marcelo, realiza direção impecável e sensível; um elenco fabuloso, encabeçado por Fernanda Torres, nos mostra a grandeza e a força de Eunice Paiva. Ela não se dobrou frente às fardas e suas condutas momentaneamente assassinas e, também, transcendeu a dor pessoal para abraçar lutas coletivas de populações vulneráveis, como a dos povos originários. 

Nos cinemas, as pessoas puderam tomar contato com a brutalidade que devassou uma família de carne e osso, com características de uma típica classe média bem-sucedida, da zona sul branca de qualquer cidade brasileira. Fica claro que direitos fundamentais, como o direito à vida, foram suspensos naquele período. Isto é ameaçador!

A maior parte dos milhões de expectadores pelo mundo se emociona e tem a oportunidade de perceber a importância das garantias individuais e coletivas que protegem a vida. No Brasil, homens e mulheres de cabeça branca choraram em momentos mais agudos dos efeitos autoritários. Alguns, mesmo depois das luzes acesas, não conseguiram conter a dor que volta, revivendo perdas irreparáveis. Ficaram sentados, em pranto nada silencioso.  

J̌á para os mais jovens, uma vivência de acesso à história recente e de uma possível tomada de consciência transformadora. Vivemos nos últimos anos manifestações populares em apoio a pautas da extrema-direita, ocupações de espaços frente a quartéis com pedidos de intervenção militar. Tudo isso culminou no 8/1/2023. Era um plano para viabilizar um novo golpe militar. Vencido o plano, instituições lideradas pelo Supremo Tribunal Federal buscam aplicar a lei para julgar os acusados pelos crimes cometidos. Do outro lado, o Senador Mourão (Partido Republicanos), ex-vice-presidente da República, em 2023 já tinha proposto o projeto de lei 5064, buscando anistia para envolvidos. 

Em dezembro de 2024, o Datafolha publicou pesquisa sobre o assunto: contra a anistia registrou 62%, índice favorável 33%; apoio à democracia, 69%; apoio à ditadura, 8%; e tanto faz 17%.   Na consulta pública do PL, portal e-Cidadania do Senado, 579.843 pessoas já se manifestaram contra o PL 5046/2023; 557.442, em apoio. Esses números mostram que temos que lutar se quisermos manter o regime democrático.

 O filme parece ser uma grande oportunidade de despertar maior consciência coletiva sobre o tema. Esperemos novas pesquisas. Enquanto isso, façamos a nossa parte:  refletir coletivamente, visando construir referências que nos permitam enxergar que a fragilidade da nossa democracia para entregar serviços à população, com ética e justiça, não pode ser desculpa para rupturas democrática. Na melhor das hipóteses, anos depois, retornaríamos ao ponto que estamos, de lutar por instituições melhores. Isso seria irracional. Melhor enfrentarmos já o desafio de avançar, democraticamente!

Anterior
Anterior

Crise democrática: será que estamos jogando contra nós mesmos?

Próximo
Próximo

Ecos do Passado e Ameaças ao Futuro: Reflexões Sobre a Posse de Trump