Os jogos jogados na democracia
17/7
Faltam 77 dias para 2/10. Hoje a reflexão é sobre o jogo da política. Primeiro separemos política e politicagem. São coisas distintas. Política é disputa para prevalecer na definição dos princípios de organização do mundo social. Em outras palavras, trata-se de um jogo pelo poder sobre o Estado, em que os concorrentes disputam com suas visões e propostas de futuro para a sociedade. Os vencedores detêm a possibilidade de transformar ideias em programas de governo. Sem a política, resta a vontade de um só, o autoritarismo.
Mas não se pode negar que hoje, quando se quer denegrir uma decisão ou justificar um erro, se diz “o problema é a tal da política”. O que está no imaginário é que na política prevalece favorecimento indevido, falta de critérios, manipulação da realidade, falseamento sobre fatos e por aí vai. Isso é politicagem, política de baixo escalão etc.
Como separar uma coisa da outra. Muito difícil que a politicagem não contamine a política. A reputação é um dos principais capitais da política. Lembro de uma pesquisa que fiz em 2010 e na entrevista com um ocupante de cargo de direção em uma agência governamental, ele me disse que a situação de um gestor público de alto escalão ou de um político era constrangedora: “Somos tratados como se bandidos fossemos”.
Não acho que tenhamos saída com a demonização da política, mas entendo que precisamos refletir sobre as razões de seu descrédito. Os políticos não podem ignorar a importância desse fenômeno, pois o que está em jogo é equilíbrio social. Ao analisar as conexões com o mercado, com a burocracia e com a sociedade civil, surgem trilhas que nos sinalizam sobre a origem desse problema:
a) Política e Mercado – Esses dois campos se interrelacionam fortemente. Dependendo dos políticos que ocupam as posições no campo de poder, escolhas podem se alinhar ou não os agentes econômicos que ocupam as posições de maior influência. Portanto o financiamento empresarial da política é um desafio enorme para a democracia e para a expectativa de igualdade política em que cada um de nós representa 1 voto. E mais difícil que isso é que ao se tentar limitar a influência econômica, pode-se estar abrindo a chave para a corrupção. Esse talvez seja o maior problema da democracia contemporânea. Quando se tem a politicagem, o conluio é a versão mais cruel do dilema dessa conexão.
b) Política e burocracia – os políticos eleitos detêm, por conta do nosso voto, a legitimidade para fazerem escolhas o que, em tese, pode mexer bastante com a nossa vida. Para colocar em prática os projetos de governo, eles contam com a burocracia pública e a gente acredita que, quanto mais profissionalizada, mais chance de ter eficiência para entregar serviços de qualidade e políticas públicas efetivas. São os operadores do Estado. O mais perigoso dessa interface é que esses agentes usem seus cargos em benefícios próprios ou de seus grupos.
c) Política e sociedade civil – na interface entre a política e a sociedade civil estão os notáveis, os que conseguem capital político suficiente para representar a todos por meio do cargo político. O que a sociedade civil espera que esse representante consiga, uma vez eleito, é uma prática “transpolítica”, que alcance a todos com isonomia, pois pelo menos oficialmente o jogo político termina na eleição. O risco dessa interface é o notável não ser o que aparenta e a sociedade descobrir que elegeu um demagogo, um desonesto ou um irresponsável que sequer respeita a liturgia do cargo. A saída da sociedade é a lei ou, na pior das hipóteses, as próximas eleições, oportunidade de nova escolha.
Como diz o poeta, são muitos os perigos da vida e, claro, seguimos melhor conhecendo mais dos jogos que são jogados. Ótima semana!