Sociedade Civil: Papel e Potencial Coletivo
Vivemos tempos de incerteza e polarização, em que é cada vez mais difícil entender o nosso papel enquanto cidadãos. O que nos resta a fazer é eleger os políticos que nos chegam ou temos alternativas para nossas ações?
Muitas vezes, a ideia de “sociedade civil” soa como algo distante ou abstrato, um conceito reservado a livros de teoria política ou a discursos formais de governos. Vamos começar do início, então. O que significa “sociedade civil”? Como esse conceito se aplica ao cotidiano de quem deseja construir um mundo mais equilibrado e melhor para experimentarmos a vida? Isso é relevante de pensarmos, especialmente em um contexto marcado por desafios complexos. Será que a sociedade norte-americana para abrir caminho entre seus impasses e mostrar o seu descontentamento precisava ficar amarrada em Trump, um extremista, uma pessoa condenada pela justiça? Ou aqui no Brasil, será que convém abrirmos espaço para um Marçal, que já foi condenado na justiça por crime por formação de quadrilha por golpes contra idosos? Será que temos que abrir espaços para as propostas extremistas do PL, para os desmandos do chamado “centrão” ou para as negociações excessivas do governo que tanto oneram a nossa sociedade?
Refletir sobre esses desafios exige entender abrir a nossa percepção para além de indivíduos e organizações, e enxergar o espaço social em que existimos, onde cada um de nós exerce poder e que nesse exercício influímos o rumo das decisões políticas e sociais. Essa abertura não é simples, especialmente em tempos em que as redes sociais e as grandes corporações de mídia permanentemente tentam moldar nossas opiniões, nos colocando como objetos do campo de poder, como consumidores e como governados. Nesse cenário, é quase impossível enxergar o real e saber que sim, podemos dificuldades contribuir para mudar o rumo da história se não aceitarmos passivamente o lugar em que a política, o mercado e a burocracia pública estão nos colocando.
O Conceito de Sociedade Civil ao Longo da História
O conceito de sociedade civil tem sido moldado e remoldado ao longo da história, refletindo o contexto e os desafios de cada época. Na Antiguidade e no final da Idade Média, ele expressava valores coletivos e uma obrigação moral para que cada pessoa agisse conforme o que era considerado correto. Quem tinha o poder de definir o correto quase sempre eram os proprietários de terra, artesãos e letrados. Nessa fase, a noção de sociedade civil se vinculava aos valores comunitários locais e à autoridade da propriedade.
Com o Iluminismo e as mudanças políticas no século XVIII, pensadores como Montesquieu, Hegel e Tocqueville expandiram a ideia de sociedade civil para um espaço mediado por instituições sociais, em geral independentes do Estado. Nesse momento, a sociedade civil começou a ser vista como um contrapeso ao poder estatal, um espaço institucional (Igreja, Associações, Empresas, Universidades, Partidos Políticos etc.) onde as demandas e as vozes da população poderiam ser ouvidas e mais bem traduzidas no campo de poder.
No século XX, Gramsci e Habermas introduziram o conceito de “esfera pública”, que seria um domínio social onde a opinião pública é formada e onde todos podem participar de discussões sobre questões de interesse comum. Nesse modelo, a sociedade civil se posiciona entre as esferas econômica e política, funcionando como uma ponte que permite que as demandas populares influenciem as decisões de governo e de mercado. Há então um encolhimento no conceito, ficando o mercado, ou as empresas, apartadas do conceito de sociedade civil.
O Desafio Atual: A Sociedade Civil em Tempos de Polarização
Hoje, o conceito de sociedade civil adquire uma nova dimensão. Em tempos de intensa polarização, como vemos no Brasil e nos Estados Unidos, a sociedade civil enfrenta o desafio de encontrar sua identidade e seu espaço de diálogo. Como estamos em um mundo extremamente fragmentado e com tendência a migar, em muitos aspectos para o indivíduo, ao invés do coletivo, uma possibilidade é pensar uma identidade conceitual para sociedade civil que inclua o cidadão comum como uma parte essencial. E para isso, é preciso pensar na produção e na disseminação do conhecimento com estratégias em que o cidadão comum seja o foco.
Os extremistas estão surfando neste contexto de transição em que vivemos. Nos EUA, por exemplo, eles catalisam a divisão profunda na sociedade, estimulando um debate feroz sobre valores, direitos, trazendo riscos para toda a construção histórica da democracia contemporânea. No Brasil, e em outros lugares do mundo, o cenário é similar: ideologias opostas dificultam o consenso e a cooperação entre grupos diversos. Essas divisões revelam uma crise na esfera pública, que Habermas chamaria de uma nova "mudança estrutural". Redes sociais e algoritmos digitais tentam moldar nossas percepções e amplificar as diferenças, enfraquecendo a ideia de uma sociedade civil unificada e comprometida com o bem comum. Em vez disso, ficamos ainda mais sujeitos a uma crescente fragmentação, com riscos de as pessoas se fecharem em bolhas de pensamento, rejeitando ideias diferentes das suas. As consequências podem ser extremamente danosas.
Reflexão Crítica: Para Onde Nossas Convicções nos levam?
Diante disso, precisamos reavaliar nossas convicções e questionar o impacto que elas têm sobre nossa visão de sociedade. Contribuiremos para uma sociedade civil resiliente e justa, ou escolhemos reforçar as divisões que nos afastam do bem comum? É hora de refletir criticamente sobre como nossas opiniões são formadas e sobre o que podemos fazer, juntos, para fortalecer a democracia e a justiça social.
Perguntas provocativas podem nos ajudar a examinar nossa posição dentro da sociedade civil e encontrar nosso caminho para fazer parte da mudança:
Em quem temos mais facilidade de votar nesses cenários polarizados de hoje em dia? Que tipo de discurso mais nos influencia? Temos neutralidade para além das nossas ideologias ou crenças? Frente aos nossos interesses particulares, especialmente econômicos, viramos as costas para questões como desigualdade social, climáticas globais e demanda de cooperação internacional para a paz?
Essas reflexões são essenciais para nos compreender, enquanto indivíduos, e para pensar sociedade civil não apenas um conceito abstrato, mas um espaço onde estamos diretamente influenciando o futuro. Hoje, nosso desafio é revitalizar a sociedade civil como um espaço de solidariedade, cooperação e engajamento democrático. Afinal, que tipo de comunidade estamos formando? E como podemos, juntos, construir uma sociedade civil mais forte e mais justa para todos? Este é o convite: repensar, questionar e agir.