Setor privado e meio ambiente
9/7
Faltam 85 dias para 02/10. Ontem foram expostas duas atitudes distintas no setor público. Uma que segue a liturgia do que é esperado para uma autoridade pública e outra que não.
Hoje vamos ao setor privado. O exemplo negativo fica com a Vale, conforme trouxemos há dois dias. A Fiocruz apresentou o relatório da primeira fase de levantamento do acompanhamento longitudinal de metais pesados no organismo de moradores de Brumadinho evidenciando um percentual muito elevado de pessoas com índices acima das referências de saúde pública. Ao invés de declarar preocupação com os dados, se solidarizar com a população e se comprometer a avaliar o trabalho feito, para tomar as providências cabíveis em cooperação com a cidade, houve na verdade declaração que sinaliza a posição de que o rompimento da barragem da empresa no Córrego do Feijão, em 2019, nada tem nada ver com o problema.
Procurei exemplos de circunstâncias em que empresas tiveram posturas distintas. Penso que o escândalo de ship que fraudava a emissão de Óxido de Nitrogênio em carros a diesel (Audi, Golf, Porsche etc.) da Volkswagen, nos dá um exemplo interessante. Desde 2009, a empresa havia colocado no mercado carros que prometiam atender aos requisitos das regras mais rígidas dos EUA para esse poluente. Após estudos técnicos que foram iniciados em 2013 pelo o Conselho Internacional de Transporte Limpo (grupo independente), a Agência de Proteção Ambiental descobriu um software instalado na central eletrônica dos carros que alterava as emissões de poluentes apenas quando de vistorias. O dispositivo rastreava algumas variáveis e baixava os poluentes emitidos quando reconhecia uma condição de teste. Em condição normal de rodagem, os controles desligados e os carros poluíam mais do que o permitido. Os EUA abrem um processo criminal contra a empresa em 18/9/2015.
Dois dias depois, em 20/9 o presidente-executivo emite um pedido de desculpas, lamentando a quebra de confiança dos clientes e do público, em 21/9 o presidente da Volkswagen nos EUA admite que a empresa foi desonesta, dia 22/9 a empresa admite que a fraude envolve outros países, dia 23/9 o presidente renúncia ao cargo, a despeito de declarar que "não tinha conhecimento da manipulação de dados de emissões". Processos que terminaram em acordos para pagamento de multas e indenizações bilionárias surgiram desde 2016, especialmente nos Estados Unidos, Canadá e Alemanha e a empresa acatou e fez acordo com todos. Ao todo mais de 30 bilhões já foram pagos.
Mas a postura da Volkswagen parece que só foi positiva nos países ditos desenvolvidos. No Brasil houve aplicação de multa em 2016 pela presença do ship que manipulava os dados na picape Amarok; aqui a empresa disse que recorreria. A última notícia que consegui acessar em notícias da imprensa foi uma nota de 2019, que afirma o não pagamento. A empresa defende que aqui no Brasil, mesmo o funcionamento com o ship fraudulento atende à nossa legislação.
Qualquer pesquisa de pagamento de multa pela Volkswagen no Brasil retorna vazia. Sem entrarmos no mérito e das causas da fraude da Volkswagen e no rompimento da barragem da Vale, o que me chama a atenção é a diferença do que acontece em outros países e o que acontece aqui. Até mesmo a Volkswagen, diferentemente do que aconteceu em outros países, aqui foi para a justiça...parece piada né? Mas não é. Reflete a regra do jogo perversa que ainda deixamos que prevaleça por aqui: a deslealdade vale e até mesmo a lei pode ser desrespeitada sem que haja consequência, dependendo das circunstâncias.