O Futuro Próximo da Democracia Brasileira

As forças democráticas venceram o projeto autoritário, pelo voto e com a firme atuação das instituições judiciárias durante todo esse segundo turno e, nessas últimas 48 horas, que antecederam a admissão da derrota pelo futuro ex-presidente. Certamente isso auxiliará o país a retomar a normalidade nas estradas e, quem sabe, nas redes sociais. Em futuro próximo, caberá ao judiciário avaliar com os devidos procedimentos legais, nos termos da Lei 14.197, as ameaças contra o Estado de Direito e contra o novo presidente do Brasil, legitimamente eleito.

E, para pensar o futuro e favorecer novos caminhos para a sociedade civil, quero falar de um artigo que o Boaventura Santos (*), sociólogo de Coimbra, publicou ontem.

https://sul21.com.br/opiniao/2022/10/o-golpe-de-estado-continuado-por-boaventura-de-sousa-santos/

Ele afirma que a democracia brasileira está sob ameaça continuada da extrema-direita internacional desde 2014. Em uma primeira fase, o objetivo era corroer o campo político a fim de tomar o poder legalmente, em um processo eleitoral. Essa fase teria terminado em 2018, com a eleição de Bolsonaro.

Na segunda fase,, ocorre um esvaziamento lento da institucionalidade e da cultura democrática no país. A corrosão da legitimidade das instituições ocorreu por meio de 3 estratégias:

a)   junto ao poder legislativo: aprofundamento a mercantilização da política, tanto com a compra e venda de votos dos representantes do povo , durante os mandatos públicos, quanto com a compra e venda de votos de eleitores nos processos eleitorais;

b)   junto ao poder judiciário: aprofundamento da incapacidade da garantia da igualdade dos cidadãos perante à lei e da insegurança jurídica existente que faz com que o primado do direito conviva com o primado da ilegalidade, dependendo de interesses em causa;

c)   junto às forças armadas: ampliação da interface da política com as forças armadas, com distribuição massiva de cargos ministeriais e administrativos e com a eleição de alguns desses militares.

Já a corrosão da cultura democrática ocorreu no seio da sociedade civil com: a) apologia à ditadura e seus métodos, incluindo a tortura; b) utilização massiva das redes sociais para divulgar notícias falsas, promover cultura do ódio; c)  mobilização da ideologia de bem-estar individual que coloca o “outro”, como inimigo; e d) valorização do imperialismo religioso, como referência política.  Essa segunda fase teria terminado no primeiro turno das eleições de agora, de 2022.

No segundo turno, ocorreu a terceira fase, com o Brasil se transformando em laboratório da extrema-direita global. O objetivo foi realizar um ataque frontal ao núcleo duro da democracia liberal: as instituições encarregadas de garantir o seu decurso normal e o processo eleitoral propriamente dito, No processo eleitoral ocorreu:  a) intimidação para evitar o “voto errado”, assumida pelo baixo empresariado e por políticos locais; e b) a supressão do voto, por meio de medidas excepcionais: excesso de zelo na fiscalização de veículos que transportam potenciais votantes e intimidação de modo a provocar a desistência do exercício do direito de voto aos mais pobres. Nós sobrevivemos a isso, com a luta das forças democráticas e da justiça eleitoral, que foi gigante.

O cientista nos alerta que entraremos em uma nova fase desse processo continuado: após certa contestação dos resultados eleitorais, se iniciará a intimidação das forças democráticas, para criar, com o uso do poder legislativo, ingovernabilidade política, de forma a trazer ameaça permanente de impeachment ao governo eleito e aos quadros superiores do sistema judicial.

Para ele, existe uma 'única possibilidade de essa ameaça continuada da extrema-direita global ser barrada: os democratas brasileiros se darem conta de que a vulnerabilidade da democracia brasileira não poderá ser vencida por correntes políticas que se pretendam ver nelas próprias a única condição de legitimidade do poder político. Para ele a neutralização desse risco passa pelo enfrentamento dos problemas estruturais das injustiças socioeconômicas da nossa sociedade.

Eu escuto que o grande Boaventura Santos está nos aconselhando um grande pacto pelo aperfeiçoamento da democracia, algo que pode congregar a política, a burocracia pública, o mercado e a sociedade civil. Um bom caminho!

 

(*) Diretor Emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador do Observatório 

 

 

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