Entre a Consciência e a Manipulação em Massa: o Desafio do Voto Consciente

Muitas pessoas não gostaram do que eu escrevi sobre a face ideológica do Brasil e o voto dos menos privilegiados, dos pobres, nessas eleições de 2024. Eu compreendo. Mas foi intencional, dado que a conta dos votos no “centrão e na extrema direita” não fecha, sem um percentual significativo de votos desse grupo. Se conseguirmos olhar para esse fato objetivamente, podemos ir além das explicações tradicionais e questionar nossas formas automatizadas de pensar.

Para os que se posicionam mais à esquerda, o resultado das eleições reflete uma alienação social e econômica, onde os mais pobres acabam apoiando estruturas que não os favorecem. Já para a direita, o resultado das urnas é uma confirmação dos valores de moralidade, bons costumes e apoio ao livre mercado. Nenhuma dessas explicações, a meu ver, é suficiente para interpretar os resultados, mas corresponde à projeção intelectual sobre os fatos a partir de premissas ideológicas.

Ao invés de julgar a escolha do eleitor, minha proposta é refletir sobre por que pensamos o que pensamos e fazemos o que fazemos. De onde vem a lógica que sustenta nossas práticas sociais e nossas escolhas, por exemplo, no momento do voto? Não são perguntas simples, mas são fundamentais para compreendermos as dinâmicas sociais além da polarização mais simplista entre certo/errado ou bom/mau.

Dois autores podem nos ajudar nessa reflexão: Pierre Bourdieu e Elliot Aronson. Bourdieu, um dos principais sociólogos do século XX, argumenta que a lógica das nossas ações depende do ambiente social em nascemos e nos desenvolvemos. Nossas lógicas de pensar e de agir correspondem às estruturas sociais que internalizamos. E, embora tenhamos o poder de influenciar o mundo à nossa volta, alterando as estruturas objetivas, essa relação é muitas vezes invisível para nós. Naturalizamos o mundo social, esquecemos de sua construção histórica, e agimos como se fosse concreto, imutável, certo ou errado.

Essa condição humana, nos traz o risco de pensamos que sabemos, sem perceber que o que sabemos são resultado das referências que internalizamos. Sem o devido cuidado, vamos competir em “jogos sociais” que, a despeito de nos apresentarem como realidade objetiva, são de fato realidade encantada, socialmente construída, podendo até ser falseada, em muitos casos, sem que consigamos nos dar conta.

Por outro lado, Aronson, através de experimentos da psicologia social, mostra como somos profundamente influenciados pela presença – real ou imaginada – de outras pessoas. Nossas decisões, crenças e emoções são moldadas pela pressão social, muitas vezes sem que nos demos conta. Ele nos alerta para os riscos dos “atalhos mentais”, processos automáticos que usamos para tomar decisões rápidas, mas que podem nos levar a erros de julgamento.

Então, como enfrentar essa "inconsciência" que parece ser o nosso estado natural no dia a dia? Bourdieu sugere a dúvida radical, enquanto Aronson nos recomenda cautela com os atalhos mentais. Ambos defendem que a conscientização e a crítica constante são essenciais para evitar manipulações e escolhas mal-informadas.

As eleições são um momento crucial, onde o campo da política se consolida, e as escolhas feitas por nós, eleitores, definem quem negociará os rumos da sociedade e do país. Mas como fazemos essas escolhas? Somos influenciados por uma complexa rede de relações sociais e referências culturais, o que pode nos levar a simplificar decisões que deveriam ser profundas. E o pior: em tempos de redes sociais e manipulação em massa, esses atalhos mentais podem ser ainda mais perigosos.

William James já dizia: "não há nada tão absurdo que não possa ser acreditado como verdade, se for repetido com frequência suficiente." Essa frase resume o perigo das manipulações que enfrentamos hoje, assim como no passado. A crucificação de Jesus e o Holocausto são exemplos extremos de como ideias absurdas, quando repetidas, podem ser aceitas e gerar consequências devastadoras.

Portanto, precisamos olhar para os resultados das eleições de 2024 com cautela. Eles podem ser o resultado de estratégias políticas que, cada vez mais, utilizam instrumentos de manipulação em massa. E nós, como eleitores, podemos estar facilitando esse processo ao seguirmos atalhos mentais, em vez de buscar uma reflexão mais profunda e crítica.

Qual é o caminho? Não há uma resposta pronta. Mas acredito que precisamos, individual e coletivamente, lutar para quebrar o "feitiço" das percepções condicionadas e reduzir o impacto dos atalhos mentais em nossas escolhas pessoais e políticas. Isso não será fácil, mas penso ser fundamental para fortalecermos a democracia e a sociedade civil.

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