Por que os órgãos de controle não inviabilizam o orçamento secreto?
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Faltam 26 dias para 2/10 e são 124 dias de reflexão. Hoje a reflexão será sobre o podemos fazer para encaminhar de forma racional e responsável o assunto de corrupção nesta eleição.
Corrupção é fenômeno mais sério do que as redes sociais falam! E os programas de governo tratam o tema com muita superficialidade, exceto o de Ciro, que avança um pouquinho, apontando a complexa relação entre mercado e estado para a manutenção de privilégios das elites, dentro ou fora das normas legais. Os demais candidatos, Lula, Bolsonaro e Tebet sinalizam com o enfrentamento pela estratégia de coerção pelos órgãos de controle, que tem eficácia limitada para contextos em que a corrupção faz parte da regra do jogo das práticas, como é o caso do Brasil.
Na estratégia do discurso, os candidatos se diferenciam: Lula prefere não enfrentar o tema de frente, Bolsonaro usa como arma para tentar barrar o favoritismo de Lula, com acusações irresponsáveis e comportamento cínico quando práticas corruptas de seu governo ou de sua família são apontadas; Ciro e Tebet usam também o tema como estratégia de angariar votos, sendo que Tebet não fecha caminhos para futura composição com Lula. Ciro permanece um franco atirador que tenta crescer para cima no espectro da esquerda.
De tudo que temos visto, a transferência de recursos do governo federal em troca de votos para deputados e senadores representa a parte mais visível da corrupção perversa que caracteriza a nossa sociedade. A despeito de presente em todos os governos, nos últimos 20 anos tem sido mais difícil manter os esquemas ocultos. Nos governos do PT, foram desvendados esquemas de pagamento de parlamentares com dinheiro levantado junto aos fornecedores de estatais. Agora no governo Bolsonaro, o esquema é um orçamento secreto, por dentro do orçamento anual, avançando em recursos que poderiam estar sendo utilizados para investimentos em políticas públicas. Também percebemos que o volume de recursos envolvidos no esquema atual é muito elevado. Somente durante 3 anos, alcança mais de 50 bilhões. Se o percentual de desvios for de apenas 10%, teremos 5 bilhões de rombo no orçamento, em 3 anos. E há evidências que esse esquema foi criado como mecanismo de compra de votos de deputados e senadores pelo atual governo.
E as instituições não estão vendo esse esquema? Sim, mas são muito limitadas e estão enfraquecidas. Veja no link abaixo que a Ministra do Supremo, Rosa Weber, libera a execução das emendas, mesmo com fragilidades, afirmando riscos de prejuízos para a prestação de serviços essenciais à população – essa é a fala oficial de um STF acuado.
O Tribunal de Contas da União já aprovou as contas de 2021 do presidente, com o esquema classificado apenas como ressalvas: “A utilização do instrumento das emendas de relator-geral tem gerado desafios para o planejamento e a implementação de políticas públicas, assim como dificuldades relacionadas à transparência...”
https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/tcu-indica-aprovacao-de-contas-de-bolsonaro-apesar-das-ressalvas-sobre-orcamento-secreto/
Da Controladoria-Geral da União, pelo que foi o depoimento do Ministro da CGU na CPI da Covaxin, não podemos esperar grandes coisas, infelizmente.
https://www.youtube.com/watch?v=dBus3wOM0K4
Racionalmente o melhor cenário é escolher o compromisso com mais potencial de eficácia para o problema mais agudo que estamos enfrentando (orçamento secreto) e, tentar fazer com que a pauta que Ciro, levantada em seu programa de governo, migre para a agenda da coligação vencedora.
Lula está se comprometendo em acabar com o orçamento secreto, por meio de negociação com o Congresso. Bolsonaro diz não foi ele que criou o orçamento secreto e que tudo ocorre dentro da lei, portanto será mantido em eventual governo. Ciro promete acabar com o orçamento secreto no primeiro dia por meio de portaria que obrigará a transparência dos gastos. O mesmo diz a Tebet; veja que após as evidências de que a vice dela recebeu verbas do orçamento secreto, a candidata disse que não é contra as emendas de relator, mas à falta de transparência.
Vemos que, de todos os candidatos, o único que parece ter total clareza sobre o tamanho do problema do orçamento secreto é Lula. Ele não fala que o problema é a falta de transparência e o decorrente risco de desvios de recursos orçamentários. Ele sabe que, da forma como está o jogo, o governo perdeu a capacidade de fazer política pública. Nesse sentido, Bolsonaro representa duplo risco: além de desvio de bilhões, existe a condição de continuidade um governo que está a mercê de um congresso fisiológico e que não tem capital social e político para alterar o jogo. Ademais, como presidente, não tem qualquer consciência do que cabe a alguém que ocupa o posto. A pergunta que ele fez , sobre o que tem demais o fato de familiares estar comprando propriedades por milhões, em dinheiro vivo, mostra inconsciência ou cinismo frente a um dos maiores indícios de lavagem de dinheiro com os quais os órgãos de controle trabalham.
Penso que, para a nossa sorte, Lula tem capital social para negociar com todos os setores e está à frente, liderando a expectativa de votos. Penso que, se Ciro e Tebet tiverem maturidade política podem integrar o governo de Lula. Ciro trazendo a perspectiva de enfrentamento da aliança espúria entre mercado e política e Tebet trazendo o compromisso republicano para reforçar essa posição para que a negociação do governo Lula e Congresso se dê em bases realmente republicanas. Esse é o máximo que podemos chegar com essas eleições e seria muito bom.